Tribunal de contas NÃO PODE realizar controle de constitucionalidade em caráter erga omnes e vinculante.
Durante muito tempo, desde 1963, vigorou a súmula 347 do Supremo Tribunal Federal (STF) que enunciava: “o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.”
Acontece que a súmula foi editada em um momento em que o Poder Judiciário não tinha o aparato legitimado apto a exercer o controle de constitucionalidade tal como hoje. Mais do que isso, sequer existia o controle abstrato de constitucionalidade, que foi introduzido dois anos depois pela EC nº. 16, de 26/11/1965.
Com a promulgação da CF/88 e a consolidação da competência exclusiva do Poder Judiciário no controle de constitucionalidade, mais ainda a súmula se enfraqueceu, todavia, ainda foi sendo aplicada na vida prática e cobrada em concursos públicos.
Esse quadro prevaleceu até 13/04/2021, em que no julgamento de uma série de mandados de segurança, o entendimento do STF se estabeleceu no não cabimento de controle de constitucionalidade por tribunais de contas em caráter erga omnes e vinculante, nas palavras do Ministro relator ALEXANDRE DE MORAES:
“É inconcebível a hipótese de o Tribunal de Contas da União, órgão sem qualquer função jurisdicional, permanecer a exercer controle de constitucionalidade – principalmente, como no presente caso, em que simplesmente afasta a incidência de dispositivos legislativos para TODOS os processos da Corte de Contas – nos julgamentos de seus processos, sob o pretenso argumento de que lhe seja permitido em virtude do conteúdo da Súmula 347 do STF, editada em 1963, cuja subsistência, obviamente, ficou comprometida pela promulgação da Constituição Federal de 1988.” |
O ministro basicamente diz que se o TCU exercer esse controle em abstrato de constitucionalidade, estará usurpando competência constitucional do Poder Judiciário, além de outros dois desrespeitos:
“O exercício dessa competência jurisdicional pelo TCU acarretaria triplo desrespeito ao texto maior, atentando tanto contra o Poder Legislativo, quanto contra as próprias competências jurisdicionais do Judiciário e as competências privativas de nossa Corte Suprema. O desrespeito do TCU em relação ao Poder Judiciário se consubstanciaria no alargamento de suas competências originárias, pois estaria usurpando função constitucional atribuída aos juízes e tribunais (função jurisdicional) e ignorando expressa competência do próprio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (“guardião da Constituição”).” |
O ministro citou, PASME EXCELÊNCIA, até o bom e velho conhecido juiz MARSHALL(!), veja:
A declaração incidental de inconstitucionalidade, ou, conforme denominação do Chief Justice MARSHALL (1 Chanch 137 – 1803 – Marbury v. Madison), a ampla revisão judicial, somente é permitida de maneira excepcional aos juízes e tribunais para o pleno exercício de suas funções jurisdicionais, devendo o magistrado garantir a supremacia das normas constitucionais ao solucionar de forma definitiva o caso concreto posto em juízo. |
E arremata reafirmando a competência exclusiva do Supremo:
A Constituição Federal não admite qualquer hipótese de controvérsia sobre a exclusividade do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL como o órgão detentor da grave missão constitucional de “Guardião da Constituição”, com ampla possibilidade de utilização das técnicas de interpretação constitucional como instrumento de mutação informal de seu texto, mediante compatibilização de seus princípios com as exigências e transformações históricas, sociais e culturais da sociedade, principalmente para concretização e defesa integral e efetividade máxima dos direitos fundamentais e dos princípios da administração pública. |
E, para honrar a doutrina, PASME EXC 2, ele cita KELSEN:
Trata-se da efetivação da ideia de HANS KELSEN, exposta por este em artigo publicado em 1930 (Quem deve ser o guardião da Constituição?), no qual defendeu a existência de uma Justiça constitucional como meio adequado de garantia da essência da Democracia, efetivando a proteção de todos os grupos sociais – proteção contramajoritária – e contribuindo com a paz social, pois a Assembleia Nacional Constituinte consagrou nosso Poder Judiciário, no exercício da função jurisdicional, como guardião final do texto constitucional, e o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL como seu maior intérprete, protegendo essa escolha com o manto da cláusula pétrea da separação de Poderes (Constituição Federal, artigo 60, parágrafo 4º, III). |
Muito atento às novidades, a FGV correu e cobrou em prova em 2022, advogado do SENADO FEDERAL, questão sobre tema:
O Tribunal de Contas do Estado Alfa, ao apreciar as despesas de pessoal realizadas no âmbito do Município Delta, entendeu que a Lei municipal nº XX, que concedera uma gratificação aos servidores públicos municipais, era incompatível com a ordem constitucional. Nesse caso, é correto afirmar que o Tribunal de Contas do Estado Alfa |
(A) a exemplo de qualquer Tribunal de Contas, pode afastar a aplicação da Lei municipal nº XX, em razão de sua inconstitucionalidade. |
(B) deve suspender a análise do processo administrativo até que o tribunal competente realize o controle concentrado de constitucionalidade. |
(C) não pode afastar a aplicação da Lei municipal nº XX, em razão de sua inconstitucionalidade, mas o Tribunal de Contas da União poderia deixar de aplicar uma lei por esse motivo. |
(D) deve declarar, formalmente, a inconstitucionalidade da Lei municipal nº XX, daí decorrendo o cabimento de recurso extraordinário a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal. |
(E) não pode afastar a aplicação da Lei municipal nº XX, em razão de sua inconstitucionalidade, sendo que nem o Tribunal de Contas da União poderia deixar de aplicar uma lei por esse motivo. |
Segue a ementa oficial do julgado:
Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE COM EFEITOS ERGA OMNES E VINCULANTES PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. DECISÃO DE AFASTAMENTO GENÉRICO E DEFINITIVO DA EFICÁCIA DE DISPOSITIVOS LEGAIS SOBRE PAGAMENTO DE “BÔNUS DE EFICIÊNCIA E PRODUTIVIDADE NA ATIVIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA” A INATIVOS E PENSIONISTAS, INSTITUÍDO PELA LEI 13.464/2017. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO PROCEDENTE. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Tribunal de Contas da União, órgão sem função jurisdicional, não pode declarar a inconstitucionalidade de lei federal com efeitos erga omnes e vinculantes no âmbito de toda a Administração Pública Federal. 2. Decisão do TCU que acarretou o total afastamento da eficácia dos §§ 2º e 3º dos artigos 7º e 17 da Medida Provisória 765/2016, convertida na Lei 13.464/2017, no âmbito da Administração Pública Federal. 3. Impossibilidade de o controle difuso exercido administrativamente pelo Tribunal de Contas trazer consigo a transcendência dos efeitos, de maneira a afastar incidentalmente a aplicação de uma lei federal, não só para o caso concreto, mas para toda a Administração Pública Federal, extrapolando os efeitos concretos e interpartes e tornando-os erga omnes e vinculantes. 4. CONCESSÃO DA ORDEM NO MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO para afastar a determinação contida no item 9.2 do Acordão 2.000/2017 do Tribunal de Contas da União, proferido no Processo TC 0216.009/2017-1, e determinar que as aposentadorias e pensões dos servidores substituídos sejam analisadas em conformidade com os dispositivos legais vigentes nos §§ 2º e 3º do art. 7º da Lei nº 13.464/2017 e inciso XXIII do § 1º do art. 4º da Lei nº 10.887/2004.
(MS 35410, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-086 DIVULG 05-05-2021 PUBLIC 06-05-2021)
Referência:
MS 35410, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2021.